Calote “improvável” dos EUA afetaria câmbio no Brasil

13/07/2011 09:00

 

Especialistas avaliam que haveria forte movimento de dólares, mas a direção – fugindo ou chegando ao Brasil – dependeria da reação do governo norte-americano

 

        A moratória das dívidas públicas do governo dos Estados Unidos é considerada por especialistas como tão improvável que é difícil prever com exatidão quais seriam os efeitos sobre a economia mundial. Mas, independentemente dos cenários, o Brasil, quinto maior detentor de títulos da dívida norte-americana, seria afetado – seja pela fuga de dólares ou pela maior captação da moeda norte-americana.

        Os Estados Unidos vivem um impasse para alterar o limite máximo de endividamento do país, que chegou ao teto definido por lei (US$ 14,2 trilhões) em maio. Desde então, o presidente Barack Obama tenta conseguir com o Congresso um aumento de US$ 2,2 trilhões neste limite – o valor é equivalente ao Produto Interno Bruno (PIB) do Brasil (leia mais sobre o impasse nesta página).

        Apesar de catastróficas, as previsões negativas quanto à capacidade de endividamento norte-americana seriam mais sentidas no longo prazo – isso se o teto não for ampliado logo depois da data-limite. Em princípio, as bolsas de valores despencariam mundo afora e esse susto já seria suficiente, na opinião de especialistas, para fazer com que a questão voltasse à pauta e fosse resolvida.

Aumento de juros

        Com a credibilidade do país colocada à prova, uma maneira de atrair dólares novamente aos Estados Unidos seria ampliar a taxa básica de juros norte-americana, hoje próxima a zero. Economistas ressaltam, porém, que qualquer elevação poderia fazer com que os EUA começassem a “sugar” todo dólar disponível no mercado internacional. É nesse momento que a luz amarela acenderia para o Brasil, considerado um dos destinos preferidos de investimentos estrangeiros. Nesse cenário, haveria duas possibilidades para o país. Uma seria aproveitar esse movimento externo para deixar o dólar se valorizar mais – o que agradaria ao governo brasileiro, já que melhoraria a situação para empresas que exportam seus produtos e ainda retiraria parte do dinheiro que financia o boom do crédito no país, que o Banco Central também quer conter.

        Entretanto, dependendo da velocidade com que o dólar “fugisse” do Brasil, o governo teria de tomar medidas semelhantes à dos EUA para evitar essa movimentação inversa. “A Selic teria de subir para atrair os investidores, mas com isso os juros da dívida brasileira aumentariam também. Isso significa menos dinheiro no crediário, juros mais elevados. Quem precisa pagar uma dívida encontraria taxas mais salgadas. Quem já está endividado hoje poderá se endividar ainda mais”, analisa o professor da PUCPR Másimo Della Justina.

        Há ainda a possibilidade de o Brasil receber mais dólares por ser considerado por investidores um lugar mais seguro que os EUA. Com isso, o real se valorizaria ainda mais, aumentando, por consequência, o incentivo às importações. “Isso complicaria ainda mais a nossa situação, porque os produtos estrangeiros ficariam mais baratos e a produção da indústria nacional poderia diminuir ainda mais. Não haveria problema em ter dólar barato, desde que não interferisse na capacidade de produção do país, o que pode acontecer”, avalia Rodolfo Coelho Prates, professor do programa de mestrado e doutorado do curso de Administração da Universidade Positivo (UP).

Acordo

        A dívida dos EUA não parou de crescer nos últimos anos, com cada presidente deixando um rombo maior para seu sucessor. Além disso, nas últimas cinco décadas o teto da dívida pública foi elevado 74 vezes – a última, no auge da crise financeira de 2008, quando o limite máximo teve um acréscimo de US$ 800 bilhões. Por essa razão, especialistas acreditam que o aumento acabará sendo concedido. “Há uma queda de braço entre democratas e republicanos, mas não acredito que não seja aprovado o aumento do teto. Seria irresponsabilidade demais não votar. Apesar das discussões, a solução será resolvida até a data-limite”, afirma o professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Dércio Garcia Munhoz.

        A moratória da dívida norte-americana poderia manchar a credibilidade da economia do país, considerada como sendo a de menor risco internacional – e usada como referência pelas agências de rating para classificar as dívidas de outros países. Porém, segundo Másimo Della Justina, a não aprovação do novo teto poderia também trazer benefícios ao país. “Seria um ato de responsabilidade e daria certa credibilidade aos Estados Unidos, já que mostraria ao mundo que o governo teria de ser mais responsável com os gastos públicos, e não ampliar o limite desse buraco sem fundo”, pondera.

        O tema parece ainda não preocupar a China, maior detentora de títulos do Tesouro norte-americano (com mais de US$ 1,15 trilhão, ou 26% dos papéis emitidos pelos EUA), que não se movimentou para resgatar seu investimento em papéis dos EUA. O Brasil tem cerca de US$ 200 bilhões em títulos da dívida norte-americana.

 

Entenda o caso

        O Partido Republicano, de oposição, está aproveitando a situação vulnerável do governo norte-americano para conseguir objetivos de sua plataforma política, como a redução de gastos públicos.

Legislação

        O valor máximo de endividamento do governo dos Estados Unidos é definido por lei. O governo não pode emitir mais títulos públicos para tentar reverter a situação, já que, para conseguir ampliar esse limite, a Casa Branca e o Congresso precisam chegar a um acordo.

Briga política

        Hoje, o Senado norte-americano tem maioria democrata, o que facilita as negociações com o presidente Barack Obama. O problema está na Câmara dos Representantes (similar à Câmara dos Deputados no Brasil), que tem maioria republicana. Eles estão aproveitando a crise econômica para barganhar decisões políticas. Republicanos pressionam Obama por cortes com gastos sociais e não querem a aprovação de mais impostos. Essa seria a condição para que fosse ampliado o teto.

Teto da dívida

        O valor máximo de endividamento norte-americano, previsto em lei, foi atingido em maio. Obama esperava a aprovação da ampliação do teto até o dia 4 de julho, feriado da Independência dos EUA. O acordo não veio e o governo já tem problemas para pagar suas dívidas. Há estados, como Minnesota, que já fecharam museus por não ter dinheiro para pagar seus funcionários.

Contagem regressiva

        Agora, o presidente precisa chegar a um acordo com o Congresso até o dia 2 de agosto, data-limite para se resolver o impasse. Obama quer que o teto seja ampliado em US$ 2,2 trilhões. Caso o novo limite não seja aprovado, o governo norte-americano pode decretar moratória de suas dívidas.

 

Pensionistas estariam entre os primeiros atingidos por moratória

 

        O presidente americano, Barack Obama, disse que “não pode garantir” que a Previdência Social libere as pensões dos veteranos e dos inválidos, caso o Congresso não concorde em elevar o teto da dívida americana até o dia 2 de agosto. “Eu não posso garantir que os valores serão pagos no dia 3 de agosto se nós não resolvermos essa questão, simplesmente porque não há dinheiro nos cofres para pagá-los”, afirmou Obama em parte de uma entrevista divulgada pela rede de televisão CBS. Os 800 mil funcionários públicos federais seriam os próximos a ter dificuldades na hora de receber seus salários.

        Na segunda-feira, Obama disse que o fracasso em elevar o teto da dívida do país poderá detonar uma nova recessão e deixar milhões de trabalhadores desempregados. Ele cobrou do Congresso um acordo amplo, que reduza o deficit público do país e estabilize a dívida.

        Apesar das declarações duras, o presidente americano mostrou confiança de que um acordo será alcançado. Obama disse esperar que as discussões do déficit público e do teto da dívida levem a um acordo mais amplo sobre os gastos públicos e as reformas. Ele afirmou ainda que as mudanças não devem ser apenas imediatas e sim beneficiar as futuras gerações. Obama disse que os EUA “nunca deixaram, nem deixarão de pagar sua dívida”.

        Uma alternativa para o governo norte-americano conseguir recursos seria cobrar o dinheiro emprestado a bancos e empresas com problemas financeiros durante a crise de 2008. “Além disso, a máquina de guerra norte-americana teria de diminuir, porque haveria uma grande necessidade de enxugar os gastos públicos”, estima o professor da PUCPR Másimo Della Justina. (JPS, com Folhapress)

 

FONTE: GAZETA DO POVO